segunda-feira, 9 de maio de 2011

O tesão a priori é o nosso ato falho

Às vezes tudo desaparece e só sobra você. Às vezes tudo parece que perece, uma letra muda, e -------- Você (não eu) soçobra por entre quatro paredes, num aperto no peito que só, perto, pertinho, a despeito de um quarto oval, ¼ de merdas esmigalhadas, e não há nada pelo que valha a pena desenterrar uma pá de grilos, mastigar alface e ir à luta. O sacrifício não equivale a uma canção do Bowie. Space Oddity cantada pela Karen Carpenter. Lindo! Imagens redemoinham e, em seguida, na proa do sobressalente, um universo de favores me assaltam: pelas beirinhas, beiradas calhordas, embustes, sacrilégios. Refaço a literatura desonesta esculpida por pentes em lugar de canetas. Os cabelos se enroscam nos mamilos. A vaidade, como ele já disse, é tudo. Não estou falando de Deus, D’us (lacrimoso) ou de Mademoiselle Iolanda. É da memória de que vos falo. Da estupefação contida nesses momentos de intimidade não tida, do sexo imaginado, dos versos ditos, do segredinho que permanece entre nós dois apesar de sermos ambos casados à moda antiga e conservadores pra caralho. Exxxxxxxxxiste, sim, um subtexto tenso, um tesão a priori que é o nosso ato falho, e vou desmerecê-lo se não sair daqui, já que, por ora, pirei. Parei. Voltemos àquela... Àquela historinha da qual se faz roteiro tipo “û de sempre”.


Não tenho a mais vaga e imaculada idéia. Procuro o núcleo e só me resta o medo. Meus amigos são até pessoas descentes, filhos da classe média dos anos 80 que inundou a cidade com seus hábitos filisteus. Eu, amuada, e compelida pela conjuntura, cabe ressaltar, cotegei o russo com um idioma neutro e morri. Alhures, algures e, no hemisfério sul, multidões de refugiados em êxodo. “Tô cuma saudades famélicas de ti... de te namorar... de te devorar... Carentizei” – Foi o que ela lhe disse. Não tinha a mais vaga e imaculada idéia. Procurava o núcleo e só lhe restava o medo. Seus amigos eram pessoas descentes, filhos da classe média dos anos 80 que inundou a cidade com seus hábitos ridículos, homofóbicos, racistas. Mais uma vez, cotejou o russo com o italiano e partiu.
Continua
Continue

sábado, 29 de janeiro de 2011



Vai abandona a morte em vida em que hoje estás
Ao lugar onde essa angustia se desfaz
E o veneno e a solidão mudam de cor
Vai indo amor
Vai recupera a paz perdida e as ilusões,
não espera vir a vida às tuas mãos
Faz em fera a flor ferida e vai lutar
Pro amor voltar
Vai faz de um corpo de mulher estrada e sol
Te faz amante
Faz meu peito errante
Acreditar que amanheceu
Vai corpo inteiro mergulhar no teu amor
Nesse momento
vai ser teu momento
O mundo inteiro vai ser teu, teu, teu...

sábado, 4 de setembro de 2010

O Grande Ditador - monólogo final


"I'm sorry, but I don't want to be an emperor. That's not my business. I don't want to rule or conquer anyone. I should like to help everyone if possible - Jew, Gentile - black man - white.
We all want to help one another. Human beings are like that. We want to live by each other's happiness - not by each other's misery. We don't want to hate and despise one another. In this world there's room for everyone and the good earth is rich and can provide for everyone.

The way of life can be free and beautiful, but we have lost the way. Greed has poisoned men's souls - has barricaded the world with hate - has goose-stepped us into misery and bloodshed. We have developed speed, but we have shut ourselves in. Machinery that gives abundance has left us in want. Our knowledge has made us cynical; our cleverness, hard and unkind. We think too much and feel too little. More than machinery we need humanity. More than cleverness, we need kindness and gentleness. Without these qualities, life will be violent and all will be lost.

The aeroplane and the radio have brought us closer together. The very nature of these inventions cries out for the goodness in man - cries for universal brotherhood - for the unity of us all. Even now my voice is reaching millions throughout the world - millions of despairing men, women, and little children - victims of a system that makes men torture and imprison innocent people. To those who can hear me, I say: 'Do not despair.' The misery that is now upon us is but the passing of greed - the bitterness of men who fear the way of human progress. The hate of men will pass, and dictators die, and the power they took from the people will return to the people. And so long as men die, liberty will never perish.

Soldiers! Don't give yourselves to brutes - men who despise you and enslave you - who regiment your lives - tell you what to do - what to think and what to feel! Who drill you - diet you - treat you like cattle, use you as cannon fodder. Don't give yourselves to these unnatural men - machine men with machine minds and machine hearts! You are not machines! You are not cattle! You are men! You have the love of humanity in your hearts. You don't hate, only the unloved hate - the unloved and the unnatural!

Soldiers! Don't fight for slavery! Fight for liberty! In the seventeenth chapter of St Luke, it is written the kingdom of God is within man not one man nor a group of men, but in all men! In you! You, the people, have the power - the power to create machines. The power to create happiness! You, the people, have the power to make this life free and beautiful - to make this life a wonderful adventure. Then in the name of democracy - let us use that power - let us all unite. Let us fight for a new world - a decent world that will give men a chance to work - that will give youth a future and old age a security.

By the promise of these things, brutes have risen to power. But they lie! They do not fulfil that promise. They never will! Dictators free themselves but they enslave the people. Now let us fight to fulfil that promise! Let us fight to free the world - to do away with national barriers - to do away with greed, with hate and intolerance. Let us fight for a world of reason - a world where science and progress will lead to all men's happiness. Soldiers, in the name of democracy, let us unite!

Hannah, can you hear me? Wherever you are, look up Hannah. The clouds are lifting! The sun is breaking through! We are coming out of the darkness into the light. We are coming into a new world - a kindlier world, where men will rise above their hate, their greed and their brutality. Look up, Hannah! The soul of man has been given wings and at last he is beginning to fly. He is flying into the rainbow - into the light of hope, into the future, the glorious future that belongs to you, to me, and to all of us. Look up, Hannah... look up!"


terça-feira, 15 de dezembro de 2009

MIDRASH - uma excelente opção cultural!



Para aqueles que acham que a cidade maravilhosa é feita só de praias e não oferece opções culturais que fogem ao lugar-comum, vale muito à pena dar uma passada no MIDRASH, um Centro Cultural dedicado à cultura judaica instalado em um belíssimo prédio no Leblon. Sem dúvida, uma excelente opção não só para os judeus, mas para todos aqueles que se interessam pela história do povo e, por fim, para aqueles que sempre quiseram conhecer mais sobre essa emblemática saga que permeia a trajetória da humanidade. A programação do espaço conta com cursos, mostras e eventos os mais variados. Para conferir, basta acessar o site. De resto, você ainda pode ter a honra de esbarrar com o carioquíssimo Bruno Ruivo, que trabalha no lugar e é uma daquelas figuras memoráveis. (Só podia ser amigo do Thomas!)

Mais informações:
Endereço:
Rua General Venâncio Flores, 184
Leblon – Rio de Janeiro – RJ
CEP: 22.441-090
Telefones:
55 (21) 2239-1800/55 (21) 2239-2222
Horário de funcionamento:
De segunda a quinta - das 9h às 22h
Domingo: horários especiais

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

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O Ó.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Rússia em alta no Brasil em 2009! Seminário sobre "São" Dostoiévski fecha o ano em SP

"Retrospectivando", de leve, fatos recentes de 2009...
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A maior livraria de SP, a Cultura, homenageia a literatura e a cultura russa. (Foto by Nastia)

Biógrafo de Nabokov, Brian Boyd, participa de eventos na USP e na ABL.


Depois de "O Diabo Mesquinho", de Sologub, Kalinka lança "Encontros com Liz e outras histórias", de Dobytchin.

Nova editora de Porto Alegre, a 8 Inverso, estréia o catálogo com Dostoiévski - Correspondências

O suprematismo de Malevitch, com seu quadro negro, sintetiza a postura da vanguarda na Virada Russa: arte mais para pensar do que para ver.

A lista da Bravo! inclui nomes como Tchekhov,Tolstói, Dostoiévski, Bábel, Adreiev, Gogol, Turgueniev, Gorki, Nabokov, Pushkin (amado...), dentre outros.

Depois da Livraria Cultura da Paulista dar um destaque merecido à literatura e cultura russa, decorando um estande no centro da loja especialmente para recebê-la, incluindo, vale ressaltar, lançamentos irresistíveis, inéditos no país, e livros traduzidos pelos amigos Zazie Urso e Nivaldo Pereira (além de, obviamente, muitas incursões do nosso queridíssimo Boris!); a editora Kalinka introduzir o autor modernista Leonid Dobytchin aos leitores brasileiros; a edição de 100 contos essenciais da Bravo! estar repleta de autores russos - encabeçando a seleção, ora pois; a Folha de SP lançar um fascículo sobre o grandioso Museu Hermitage de São Perterburgo; a editora 8 Inverso de Porto Alegre estrear no mercado com Dostoiévski; o biógrafo neozelandês de Vladimir Nabokov, Brian Boyd, estar presente em um ciclo de debates na USP; o ducentenário do maluco do Gogol ter sido comemorado pelo menos uma dúzia de vezes Brasil afora; a bombástica exposição Virada Russa percorrer várias cidades do país; e (UFA!) a Nastia, finalmente, haver retornado da дача - isso, claro, só para citar os eventos mais recentes -, amanhã começa no CCBB-SP o Seminário "Dostoiévski, ontem e hoje", para fechar o ano com caipirinha de vodka. Veja a programação, que conta com vários convidados internacionais e exibição de filme, abaixo:

Evento “Dostoiévski ontem e hoje” nos dias 1, 2, 3 e 4 de dezembro de 2009 no CCBB SP

DIA 1 DE DEZEMBRO
19:00h às 21:00h – Primeiro Encontro
Tema: Dostoiévski, nosso contemporâneo
Palestrantes:
Igor Vólguin (Presidente da Fundação Dostoiévski, Prof. Dr. da Universidade Estatal de Moscou / MGU,)
Boris Schnaiderman (Prof. Emérito da USP, autor, pesquisador e tradutor das obras de Dostoiévski)
Manuel Costa Pinto (Editor dos programas "Entrelinhas" e "Letra Livre" (TV Cultura), colunista da „Folha de São Paulo“ e editor do "Guia da Folha- Livros, Discos, Filmes)
Mediador e Debatedor: Bruno Gomide (Prof. Dr. de Literatura Russa , USP)
21h às 22h – projeção O IDIOTA – filme de Frank Castorf , parte 1

DIA 2 DE DEZEMBRO
19:00h ás 21:00h – Segundo Encontro
Tema: O Universo das Idéias na obra de Dostoiévski
Palestrantes:
Deborah Martinsen (Presidente da Sociedade Internacional Dostoiévski, Profa. Dra. da Columbia University , USA)
Fatima Bianchi (Profa. Dra. da Literatura Russa da USP, Representante da Sociedade Brasileira de Dostoiévski)
Bruno Gomide (Prof. Dr. de Literatura Russa, USP)
Mediadora e Debatedora: Elena Vássina (Profa. Dra. de Literatura Russa, USP)
21h às 22h – projeção O IDIOTA – filme de Frank Castorf , parte 2

DIA 3 DE DEZEMBRO
19:00h ás 21:00h – Terceiro Encontro
Tema: Dostoiévski x Teatro e Cinema – Uma atração irresistível
Palestrantes:
Elena Vássina (Profa. Dra. De Literatura Russa, USP)
Aury Porto (Ator e Diretor teatral)
Cibele Forjas (Diretora Teatral)
Mediador e Debatedor: Ruy Cortez (Diretor e pedagogo teatral).
21h às 22h – projeção O IDIOTA – filme de Frank Castorf , parte 3

DIA 4 DE DEZEMBRO
19:00h ás 21:00h – Quarto Encontro
Tema: Dostoiévski e a Cultura Contemporânea.
Palestrantes:
Frank Castorf (diretor de teatro e diretor artístico do teatro de vanguarda de Berlim Volksbühne, adaptou para o teatro e cinema “Os Demônios”, “O Idiota”, “Crime e Castigo” e “Humilhados e Ofendidos” de Dostoiévski)
Aurora Bernardini (Profa Dra da Pós-graduação em Literatura e Cultura Russas da USP, pesquisadora e tradutora dos escritores e poetas russos)
Arlete Cavaliere (Profa Dra de Literatura Russa, USP),
Mediadora e Debatedora: Silvana Garcia (Profa Dra USP, autora de “As Trombetas de Jericó. Teatro das vanguardas Históricas”)
21h às 22h – projeção O IDIOTA – filme de Frank Castorf , parte 4

Um fotógrafo. Duas fotos. Gostei.


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sobre Ana, a alcoólatra, e o Sarcasmo, o Zé Mané

Achava estranho o dinheiro que desaparecia de suas vistas
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e era usado para algo que ela não fazia idéia do que fosse, muito embora confiasse na espiral do ralo eclesiástico. Dinheiro, de um modo geral, perturbava-a, de forma que nunca tinha um puto. Se tivesse, tratava logo de transubstanciá-lo em roupa, esmola, livro ou algo comestível, o que punha invariavelmente suas finanças em estado de alerta. Fome era algo recorrente. Uma taça de vinho caríssimo também. E quando a miséria se achegava, insinuante, costumava vestir-se a propósito e partir à cata de vernissages, lançamentos literários, noites de autógrafo, estréias de peças, enfim, essas ocasiões em que se bebe do melhor vinho ou champagne. Ficava de pileque sem gastar nada e, como se não bastasse, posava de intelectual antenada, o que era totalmente irrelevante. Suas pupilas não arredavam o pé da garrafa de prosseco, do chopp escuro. Conhecia todos os lugares onde ocorriam eventos do tipo, a cada dia da semana, e, quando a coisa apertava, lá estava ela, presente ao lançamento de “Direito tributário for dummies”. Humilhante. Mas desde que a cidade grande a ofendera em sua humanidade, voltara a embebedar-se, a confundir-se, a forjar argumentos vis, a despeito de todos os avisos ressonantes de Rodrigo – um amigo psiquiatra que a diagnosticara como alcoólatra nível “ninguém pode te ajudar, só você”. “O que é uma merda” – pensava Ana, já que, por mais corruptível e pernicioso que fosse o ambiente, por mais matreiro e filho da puta fosse o aprendiz do diabo, ela, só ela e mais ninguém além dela mesma (ela no âmbito do “eu”), detinha a culpa dos males causados a si. Agora, no entanto, vivia refestelada naquele maldito hiato existencial em que devia tomar uma decisão: ou pirava de vez ou parava de vez. Parou. Pela manhã antes da missa, aliás. Satisfeita por ter evadido o mundo dos bebuns, dos jacófilos, desistido de se tornar uma degustadora de vodka em São Petersburgo, satisfeita, inclusive, por ter ajudado a si mesma, a única responsável por todas as catástrofes de cunho pessoal, particular, intransferível, pedia a Deus que lhe cultivasse a determinação e, o que é mais importante, não a deixasse fraquejar diante do sarcasmo eventual. Sim, o sarcasmo – esse era o inimigo. No fundo, no fundo, apesar daquele papo todo de alcoólatra nível “só você”, de todas as humilhações precoces que sofrera por conta da bebida, Ana, irresponsavelmente, não se levava a sério e, por conseguinte, não levava nada daquele cenário horrendo a sério. Gostava de Bukowski - e achava engraçado o fato do Conde Liev Tolstói ter empreendido uma campanha anti-vodka na Rússia no século XIX, onde a bebida foi por muito tempo usada como moeda de troca. Substituíra o trauma por um riso idiota, cafajeste (no sentido masculino de o ser), pela gargalhada inconsequente – coisa de Vermebile, provavelmente. Por isso, suplicava aos céus que a livra-se daquela sem-vergonhice, daquele arroto frugal de mesa de bar que lhe atulhava a razão, daquele passo que, se dado, poderia condená-la ao vício. Queria o trauma, o sofrimento redentor de quem tudo perde, a dor inefável, a cicatriz aberta e infeccionada onde pousam moscas xexelentas. Queria arrepender-se, achar-se moribunda, putrefata, maldizer todas as atrocidades que os homens haviam cometido contra ela, todas as vezes em que estivera disponível para o pernoite, todo dinheiro que gastara em vão, todos os comportamentos pífios (a despeito de gabar-se por jamais ter serpenteado na rua como a Paola), todas as orelhas de livros de “gestão de risco” que lera a fim de bebericar, as incontáveis saideiras, todas as matinas em que voltara para casa, sonada, a caminho do quarto nicotinado, enfiada em roupas bolorentas, acompanhada de sabe-se lá quem, salivando o pó que vinha na esteira da perversão. Mas a verdade era que, após uma ou duas semanas de angústia profunda flambada a culpa non-sense, começava a rir. Diabólico. Fatofúsico. E o que é pior: aquele riso que se oculta de mão na boca, que se quer inevitavelmente domesticar, que sai a princípio como uma flatulência, uma trombonada, estoca ar nas bochechas e que, em seguida, vira uma torrente de soluços agudos e oligofrênicos. Precisava, por isso, a semelhança de Alex em Clockwork Orange, curar-se – não do alcoolismo, mas daquele desvio de caráter patético antes que fosse tarde demais. Todos sabiam: no fundo, Ana era uma boa moça.

Sobre Ana, a jacófila, e Guto, o "song à monga"

- Terminei. – Disse Guto tamponando a brochura enquanto Ana irrompia a porta indolente, relegando-a, na verdade, aos ácaros pulhas; como estavam, aliás, os guris na praça da Sé, o pote de margarina sobre a pia: ao sabor do acaso desordeiro. Uma pia de mármore, gagá, dessas que não se vê mais em parte alguma, a não ser que se engate marcha ré no tempo do espaço. Restituiu a banha ao lugar e sentou-se à mesa alva. Quase caiu. Depois, fez que ia. Não foi. Guto vira apenas um pacote trôpego, bulímico, de passo elefantino, mas já sabia que àquela altura só podia ser a tal, displicente, rechonchuda, despontando ao encalço das centelhas de neon cujas deixas espocavam pelas frestas da cidade. “Tem dobradinha” – murmurou borocochô – “Dentro do forno”. Sem hesitar, Ana deitou um par de raias de pó sobre a fórmica e, atenta à rinite sazonal que lhe cutucava as narinas, ao frio ocioso de meados de julho, deu dois tiros no alvo. Lift ::::::::::: lift! Aquele pó, ensopado em anilina, desidratado em forno de manicure, ensacado em qualquer coisa plástica, fora a melhor solução que encontrara para não ignorar tilts eventuais. Rosa bambolê. Passando ao largo do que se avizinha, um deleite sem igual invadiu suas papilas. Uma nesga de secreção escorreu pela narina esquerda rumo ao buço, mas ela conseguiu, ora inclinando a cabeça e, por seu lado, minorando a força gravitacional, ora retorcendo a mucosa nasal, remediar a patética situação. Os sinos da Igreja ribombaram, encenando um foda-se católico apostólico romano a todos que já sonhavam: 23 horas. Precisava dormir. Precisava, antes, “Caralho!” desbravar o quarto atrás da cartela do fármaco sem o qual não capotaria jamais. Como a missa estava marcada para às sete, o tempo que lhe restava para o descanso era parco, embora suficiente. Afora isso, havia terço, confissão, eucaristia, metrô e um galo pontiagudo que insistia em ciscar pelos arredores. Sim, participaria da liturgia. “A leitura, a homilia e a oferta” – sussurrou escorregando cadeira abaixo como quem parte rumo a uma antologia literária sideral.- Ana, terminei!!! – gritou Guto, dessa vez invadindo a cozinha à tamancadas – Putz, você chegou no final! – e sorriu à medida que dissecava o ambiente no rastro de suas pupilonas esculpidas a doses cavalares de prozac. Ele segurava um dos livros mais preciosos à Ana, Pais e Filhos, do Turgueniev, ou, como ela também gostava de dizer, "a história de Bazárov": um amante à moda antiga que havia sucumbido ao tifo e aos refugos da história. Era refém do segredo que com ele fenecera.

- Ah, que pena! - fingiu se importar, enquanto, corada, ainda espanava os restos de pó com um pano de prato.
- Pois é...
- E gostou? – indagou mecânica.
- Fantástico!... - disse ele, hipnotizado pelas palavras cruentas que acabara de ler. Ela deu de ombros.

Na verdade, haviam combinado uma espécie de leitura conjunta de algumas páginas do romance quando Ana lhe emprestara o livro. Munida de certa altivez, entretanto, não achava que ele seria capaz de compreender patavinas, já que nem São Dostoiévski, ao que parece, o fora, encaminhando o devaneio do suposto niilista com cópia oculta (cco) para Ivan. Por ora, ficara feliz por não ter de se submeter de forma tão gratuita à tamanha tortura cênica. Mesmo assim, sublevada que estava pelo anti-efeito viciado, deu sequência a um discurso dos mais maníacos, arregalado, enquanto Guto franzia o cenho e punha os olhos em banho-maria:

- Não vejo muita diferença entre Pedro, o Grande, que só queria abrir uma saída para o mar; os marxistas, que queriam banir a sociedade de classes; Bazárov, que dinamitou o bunker; uma prostituta, que troca o que tem pelo o que não tem; ou um alcoólatra, que canoniza com vodka-benta e limão o Santo Boteco da esquina. São todas, irremediavelmente, tentativas de sair, de ir embora, de partir e tudo deixar à sombra de um útero baldio, estéril, oco. O homem anseia pela mudança: sair de casa, sair da toca, sair na noite e perder a dignidade no pardieiro-emblema chamado cidade. Sair, conquistar, fincar raízes e sair novamente! Que seja! O próprio ato de nascer é uma saída! Partimos rumo à vida. Ou, parafraseando Rimbaud: partir é retomar o caminho! – e soltou uma estrepitosa gargalhada.
Era a deixa que Guto precisava.
- Brilhante sua colocação, Ana. Rimbaud disse isso é? Whatever, parto então. Pela enésima vez, imagino. Boa noite, querida.
- Calma aí!... É preciso esperar um bocadinho. Bebês não nascem de supetão... – Ana percebia, enfim, que não falava sozinha, mas que alguém a ouvia. No caso, Guto, aquele sujeito que alugava um quarto para ela e para o qual, vez por outra, ela emprestava um romance.
- O quê?
- A globalização, por exemplo.
- O quê??? – repetiu atônito.
- A globalização. Essa palavra empertigada metida a pós-moderna. Isso sempre existiu. Se hoje falamos com alguém que mora do outro lado do atlântico pelo MSN e se há 500 anos tínhamos que construir caravelas para fazer o mesmo, pouco importa. A intenção sempre foi a da conquista - não raro pestilenta, é verdade. Cheia de jugos e grilhões, mas legítima em seu “Avante!”. O mundo jamais foi outra coisa que não potencial ou realmente global. Não entendo por que razão no século XX isso virou notícia, virou invasão, virou probleme, virou anti-cultural, virou “slovo”. A aventura humana também passa pela terra,Itálico pela lama ou, permutando as letras, pela alma. Não sei qual é a diferença entre o Cacique Coral equatoriano e o MC Donald’s norte-americano. Ambos, a exemplo do “foda-se” ocidental, são franquias aptas a nos infligir facadas. A conquista é inerente à anima nesse tráfego constipado rumo à coisa. Diante da banalização do “nice to meet you”, talvez, precisaríamos, a exemplo do êxtase primitivo, buscar exits espirituais... Ou, quem sabe, trilhas menos, menos... – e, furiosa, socou a fórmica – desalmadas, lamacentas, egocêntricas, o que me soa, na verdade... uma obviedade sem tamanho. – De súbito, Ana refreou o ímpeto tagarela, agarrou um penacho de cabelo, levou o mindinho à boca e se pôs a fitar a janela. Esse delito pareceu a Guto outra chance de se eclipsar. A fim de não induzi-la a um terceiro round verborrágico, no entanto, preferiu se certificar do terreno onde pisava.

- Acabou? – perguntou nocauteado.
- O quê? – Ana assustou-se.
- Esse seu discurso estúpido. Acabou?
- Eu... eu não sei...
- Bom, pra mim chega. Tô indo.
- Sim, saia!.. Isso mesmo.
- Não. Essa coisa de sair só vai rolar amanhã, gata. Agora vou dormir. Boa noite. – e acrescentou – Passe no banheiro, hein! Acho que há um restinho de maquiagem na sua bochecha. Aqui, ó – e indicou a Ana o suposto lugar apontando em si próprio. Ela não ouviu. Guto dirigiu-se ao quarto e desencanou.

Ana ficou em silêncio, ainda atada por alguns pensamentos que, como rebentos de tartarugas-marinhas, precisavam vir à tona a fim de serem desovados na praia. Lembrou-se das pí-lu-las. Enfiou a mão na bolsa e, com a ajuda de um copo d’água, engoliu três comprimidos. Rezou cinquenta ave-marias – permeadas, cada dezena, por um Pai Nosso e um Glória a Deus. O terço. Meia hora depois, com o pulso linear, murmurou: "Terminei. Cheguei mesmo no final, Guto". À revelia do que quer que fosse, a moça dormia. Zzzzzzzzzzzzzzzzzz...


Pinturas: Gerhard Richter

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Contato

Tentando fazer contato com o homem "branco", civilizado, burocrata, ocidental, que vive isolado na selva de pedra paulistana. 3ª tentativa -------------------- a toca.

domingo, 22 de novembro de 2009

"Triste partida" do Patativa

Meu Deus, meu Deus. . .
Setembro passou
Outubro e
Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai
A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois a barra não tem
Ai, ai, ai, ai
Sem chuva na terra
Descamba
Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai
Apela pra
Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai
Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
Nós vamos a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá e pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai
Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natá
Ai, ai, ai, ai
O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Seu filho choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer Ai, ai, ai, ai
E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filho pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai
Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade lhe molho
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
À lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai

3 "Perolazinhas" encantadas do Junio Barreto (QQ coisa de sublime)

Colarzinho de pedra azul


Bonita de Pedra e Céu

A quem glória possa ser

PS: Se o player não funcionar, clique no link "divShare" para fazer o download da música.

domingo, 15 de novembro de 2009

Quando o Tolsta veio me visitar!!! (4) - O sagrado

O vento vai, vem, vai-e-vem, Nievá, perverte o ar, volteia, tartamudeia, pousa, bóra, cantarola, refaz-se uno, corre, apalpa o pomar, até pensar como um ser (não é Hermes), pois se é Deus, é (tri)vivo, é pulmonar - embriaga-se de caules, réstias de (fran)galhos, ao encalço do outono sem jamais lhe ter. Tonteia o sentido do "à", á margem, á luta, avante!, leiloa a língua benta,
ecoa
lufa,
arfa,
pulsa,
baba,
coroa,
aventa
rebenta areia fina na película cristal, mastiga, regurgita e, pontiagudo, entrelinha estupor e sal - calmo, contudo, acomoda-se à meia-luz, até que se avizinha a tarde e, afinal, na fímbria do horizonte, sangra ao pé do sol. Genuflexão: hora da missa. Santíssimo sacramento. A luz vermelha sinaliza: é Ele. Tolsta não se submete ao que não acredita, mas entra,encosta-se ao invés de se sentar, tensiona os músculos para entender, desentende, não relaxa, não se atreve, distende a razão e se perde. A enormidade da Catedral da Sé não lhe contagia os ânimos. A contigüidade do que ocorre pelo seu avesso, na praça, é que lhe espeta o cérebro. As gentes de todo o Brasil, atamancada, disputando palavreado, sentido, espaço pra dizer que está tudo de revés, que está tudo absolutamente movediço. O conde se amiúda e, pé-ante-pé, aproxima-se de um юродивый (Iorodivi), espécie que na Rússia parte em busca de Deus, só, produzindo instantâneos orais, santos, migalhas de arte, arrebanhando fiéis, parasitas, sendo, ao pé, um mendigo alienado, tonto, vidente. Aquele ali, entretanto, lhe parece falso, pois quando com ele quer dialogar, não é ouvido, a despeito de febrilmente respondido. O sujeito só tem olhos para si e sua Bíblia, a cujos significantes imputa qualquer significado, pautado em interesses que Tolsta não reconhece como os seus. O conde só vê sentido no desinteresse - e prenhe de amor.

- Precisaríamos de uma ambição embolada de ponta-cabeça – nada que nos fizesse retroceder, mas que nos obrigasse a ceder ao tédio de não querer tudo para si, em silêncio galhofeiro, mallllllllll, como quem agradece simples e naturalmente por estar vivo, por não ter caído hoje do precipício. Difícil isso. Lembro-me daquela moça que, ilhada, discutia comigo. Punha, à guisa da revista Veja, muito popular no Brasil, todos os adeptos de regimes ditos totalitários no mesmo saco (Che, Prestes, Fidel, Hitler e Stalin, tanto faz) – e depois suplicava por qualquer bem genuíno que se desdobrava no afamado "individualismo neoliberal", essa lei do pós-guerra que nos atola no supermarket punk. E - concatenei tentando seguir o raciocínio dela - o individualismo desses homens no saco, ora bolas? Por que hão de ser todos iguais? Pensar é difícil, pensar demora, pensar, não raro, é abdicar de qualquer opinião, é, no bilhar, não encaçapar nenhuma bola. É dom, é perda, é humilhação - desapego e comunhão. Dizem que a fé é dom de Deus. Dios. Dieu. God. Бог.

- A razão também – bombardeia o conde. O resto é reprodução. Arte, guria, é criação.

Lembrei de Nietzsche, que disse: “pensar é criar”. Enfim, outro péla-saco-mor pro panteão olimpiano do intelecto. Tolsta não me ouve mais. Tolsta não me ouve nunca, aliás. Conversa com Johannes, o sem-teto alemão – agora sim, um legítimo юродивый.

Encontro histórico: Os юродивый Tolsta e Johannes deixaram-se fotografar em plena Praça da Sé - marco zero de Sampa City. O calor de novembro não os impediu de vestir seus capotes, botas, bigodes e parangolés, o que corrobora minha tese de que ambos estão completamente alheios ao que se passa no mundo. Devem achar que estão na Rússia! Hahaha! Ou pior: em Iasnaia Poliana! Hahaha! Imagina!!! Loucos de pedra!... Detalhe: a foto foi envelhecida no photoshop - essa parte eu não pesquei.

Um rosto sem face

Sinto-me, agora, como um mujique malevitchiano - um rosto sem face.

Tenho dúvidas, na verdade, quanto a natureza desse ser: mujique ou proletário?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Naquele dia, já era noite

Naquele dia, já era noite. Ela vinha tropeçando em cacos de pensamento: refugos de uma longa refrega. Bifurcou coisitudes que, ademais, não lhe serviriam de droga nenhuma. Algumas delas tomaram o rumo do texto ao lado, que emergia em paralelo, reclamando autoria distinta e escrito por um ghostwriter legítimo, desses que pululam aos montes em SP. Adentrou o apartamento com a sua cota de sandices, devidamente cotejada com o original em russo, sem nem suspeitar que já estivesse grávida há 20 dias, que um bisneto da Cândida nasceria dentro em pouco, que a toalha estava molhada sobre a cama – despencou do oitavo andar de suas idéias direto para o colchão. Sentiu estalar duas lágrimas uma noutra na escuridão da pálpebra fechada. Pálido cansaço de não ir a lugar nenhum, de desejar além do seu o querer alheio, “todos juntos e de mãos dadas, atadas”, o querer alheio pleno de dignidade e compostura: bondade. Pessoas perdem tudo que têm de “pessoa” por causa de míseros R$ 100. Que verdade limítrofe em torno da qual sofrer e chutar toda e qualquer esperança no que quer que seja o ser. Não há escolha. Hamlet, para ela, soou como um risível desvario nefelibata.

Tristes trópicos – agora em outra pegada. Como diz a Zazie: “Meu cú” – o que, apesar de lacônico, significa: meu cú é bem mais limpo do que essa imundície toda.

Continua aqui.

domingo, 8 de novembro de 2009

Eu sou o samba...

sábado, 7 de novembro de 2009

O querido e figuraça FeFi (Felipe Filósofo)

Felipe Filósofo, além de ser mestre em filósofia pela UERJ, professor da citada matéria, especialista em Hume, Deleuze, Nietzsche (eu sempre empaco escrevendo isso), Sócrates e o diabo a quatro, também é sambista (um baita de um sambista da melhor lavra!). E, claro, é quase um amigo de infância, quase um irmão (!). Estudamos juntos na UERJ lá pelos idos dos anos dois mil e qualquer coisa. Eu fugi do hospício pois já estava matriculada em outro (a UFRJ) - ele continuou lá e hoje está ingressando no doutorado. Um orgulho para mãe e certamente para o pai - já falecido. Nunca me esqueço de ter levantado bandeirinhas e saltitado na quadra da Viradouro para torcer pro samba do Fefi que, dada à contumaz marmelada, não ganhou. Depois Fefi viria a implacar vários sambas em diversas escolas: da Acadêmicos do Rio do Ouro a Unidos da Região Oceânica. Legal. Impossível, entretanto, é conversar com o Fefi por meia hora sem que ele comece a atazanar a paciência alheia com seu repertório criativo e interminável, eu diria, de "putaria" de toda ordem. É preciso ser muito tolerante. Freud diria que ele pulou a fase oral. Eu diria que ele não consegue sair da Grécia e de seus bacanais. Na época da faculdade poderia até ter rolado um "caso" entre eu e Fefi (embora ele fosse batante tímido), mas hoje é impossível devido ao seu vocabulário de baixíssimo nível, que foi se escrachando e lapidando derivadas ao longo dos anos, digno de um cafetão da Vila Mimosa (Putz, não rola...). Enfim, o Fefi é tarado - normal. Sempre quando venho ao Rio dou uma ligadinha pra ele, pois, por incrível que pareça, Fefi também saca muito de filosofia e sempre me ajuda a coletar bibliografia adequada a minha dissertação sobre o Tolsta. Ontem, conversando com o Fefi, eis que ouço uma pérola daquelas:

Abre aspas -

Eu: Mas... Fê, você já participou de alguma orgia?

Fefi: Não. Não participei. Esse é meu trauma.

Fecha aspas.

Ah, Fefi e seu sexo verbal... Vou presenteá-lo com a Playboy da Fernanda Young.


Fefi na sala de aula (o que ele leva muito a sério!) matutando após ter escrito na lousa qualquer coisa sem cabimento. Um sábio. Amo você, Fefi!!! Figura-mor.

Skylab hits via psicotropicodelia


O super Harlem coordena um super netlabel - já falei dele aqui. Vamos às novidades Ctrl C - Ctrl V do fotolog dele:

Rogério Skylab em SKYGIRLS

O álbum está sendo lançado pelo selo virtual Psicotropicodelia Music em dois formatos: download livre/ copyleft [gratuito] e cd [duplo e com tiragem limitada].Todo o conceito gráfico do álbum e do hotsite são do designer Flávio Lazarino, cuja arte já se encontra consolidada em diversos dos nossos lançamentos anteriores. A masterização ficou a cargo do produtor paulista Flanicx.A artilharia criativa e importância cultural/ musical do Rogério & Cia foram os principais fatores que levaram ao lançamento deste trabalho pelo selo.Nós aqui, da diretoria esquizza, precisávamos de um item desse peso para estender mais ainda as propostas; em especial abraçar abertamente um lado rock/ska/dub alternativo e psicodélico; que também vive em nossos cérebros/ almas/ corações/playlists :].

PlayList

1-A TELA
2-ABACAXI
3-DEIXA FICAR
4-EU ME CONTRADISSE OU NÃO ME CONTRADISSE?
5-EU PENSO NELA SEMPRE
6-O SOL
7-VOCÊ VIU CAT POWER?
8-ILHA DE LESBOS
9-LA MER
10-SKYGIRLS
11-NA CASA DE MAMÃE
12-A FESTA NO MEU AP
13-OH MELODY
14-O QUE EU QUERO
15-MARIA BETHÂNIA
16-TUDO É TÃO BOM, TUDO É TÃO MAU
17-VAZIO BOMFULL


DOWNLOAD/ STREAMING:Duração Total (TOTAL TIME): 1 h 31 min 01 seg
Arte Gráfica Por (Artwork By) :Flávio Lazarino:
http://www.flaviolazarino.com/
Foto Por (Photo By): Solange Venturi
Masterizado Por (Mastered By):Flanicx:
flanicx@yahoo.com.br
http://www.psicotropicodelia.com/skygirls

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O twitter e a legitimidade do ser via publicização virtual

Foi-se o tempo em que apenas os fatos jornalísticos precisavam ser publicados para "ocorrerem" ou para terem qualquer (des)importância. Chegamos à era virtual e, nesta arena 3x4, o indivíduo, para existir, precisa estar conectado, precisa ter o aval dos outros, precisa ter um séquito que o siga para onde ele for, precisa ser visto, precisa dizer gracinhas e provocar risos. Como se não bastasse, cada ato isolado do indivíduo, seja uma flatulência seja uma descoberta arqueológica, para ter qualquer legitimidade, para virar história e memória nesse cubículo amplo, implica um post no twitter, no facebook, no orkut ou, enfim, nessas tranqueiras. Se o mundo, para você, são aplausos virtuais ecoantes, comentários e curtição em fotos, algumas palavrinhas bicudas nas entrelinhas, lembre-se que, se for viajar, deve levar a câmera - ou então, para o resto da humanidade você não foi a lugar nenhum. O que importa, afinal, é a visibilidade que tens. Eis o quão sem graça se tornou o espaço público.

Show de Truman? Balela!... Hoje todo mundo tem seu show particular e ele começa com @.
Da mesma forma, você não precisa entrar em um buraco negro para ser John Malkovich - entre no twitter e seja quem você quiser.

A legitimidade do ser, hoje, passa pela publicização do ser na internet. Chegaremos a um ponto em que cada pessoa terá uma câmera acoplada a seus olhos filmando a própria vida full-time. Vamos editar e postar esse filmete no fim do dia no twitter-eye - ou, melhor, ele será transmitido ao vivo, já que sem esse olho não "seremos mais nada". Nada? De súbito, isso soa atraente. Nem Habermas, ao dissertar sobre o espaço público inerentemente burguês, nem Orwell, na obra-prima 1984, nem ninguém, ora pois, poderia imaginar tamanha tragédia. Acho que o Andy, aliás, foi o único que acertou na mosca - também, era pop.

Forrozano



sábado, 31 de outubro de 2009

I......m..e........d......i......a.t........o

Saudades de tudo que se perde no imediato - e que só pode se construir no esteio do tempo: vasto. O que não presta, o tempo leva; o que presta, leva tempo. Eis o mar. Eis João e seu mais novo amigo: Lord.

sábado, 24 de outubro de 2009

BBQ

I brought the BBQ
the stars and all the rest
it's such a shame that you just left me
I came in second then
I am in a marathon
I'll gain on you some day just trust me
I can't believe what I just
witnessed here today
a thousand memories
just fade and fly away
I'll find you someday
in the middle of the war
I can't believe that
you don't need me anymore
I brought the humor
and a smile to fit your face
I won't hear the words you will tell me
I brought the liquor
and the drunken attitude
I can't believe that you can hate me
I can't believe what I just
witnessed here today
a thousand memories
just fade and fly away
I'll find you someday
in the middle of the war
I can't believe that
you don't need me anymore
I crawl back into
the pieces of our plane
I wish that we could fly again

Veto

Dafne disse:

Abre aspas -

Ohhh. 15 km de foda. Linduuuuuuuu. Mete o vibe no plástico bolha e só. Depois, música. Ou seja atropelado por uma bike - como eu.

Fecha aspas.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Mus(ic)a acorrentada

Fala sério. Nada mais tosco do que lista de música. Sim, essas listas das maiores ou melhores ou mais pops ou mais grudentas (seja o que for!) canções dos últimos sei lá quantos anos. É engraçado que as pessoas insistam em concretizar, objetivar, impregnar de estatísticas, calhas, algo tão melífluo e subjetivo – impondo seu maldito ponto de vista sobre o que está a perder de qualquer vista. Ou mais: encontrar critérios que justifiquem tal coisa. Acho que ninguém leva isso a sério. O Patrick Bateman escrevia resenhas de álbuns dos anos 80 – todas ininteligíveis e mega-adjetivadas, claro, zombando dessa síndrome de Tolstói de desejarmos colocar tudo que nos cabe nos limites da cumbuca da razão. Dia desses, entretanto, andei dando uma olhadinha lá na tal lista da RS de 100 maiores (o que é isso???) da MPB. Se for pelo tamanho, acho que a “maior” é aquela da Legião Urbana, Faroeste Cabloco, que tinha pra lá de 20 minutos e todo mundo cantava. Mas não. Curioso: o “pau” que se paga para o Chico Buarque é algo que precisaria ser estudado à luz da psicanálise. Deve ser porque ele é escritor e tem uma postura cool - praticamente a antítese da do Caetano, que todo mundo diz que odeia. E o Caymmi, tadinho, quase que foi esquecido. O resto eu não me lembro - muito loko! Eis a pergunta que não quer calar: será que é de música mesmo que essas listas falam? Ou, na falta de assunto, a galera se reúne na redação e diz: “Meô, vamos fazer uma lista! Vamos deixar geral fulo da vida! Vamos polemizar, música é o caralho! Uhuuuuu!” Rir é a melhor saída – e claro, dar uma olhadinha na lista, assim, de soslaio.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A dialética das relações humanas pós-apocalipse

É dialético. Paradoxal. Hegeliano. Quase marxista e, sem dúvida, adorniano. As opções de escolhas são tantas - tanto para nós quanto para os outros - que começamos a abrir (arreganhar mesmo!) nosso leque de opções mais restrito ou seleto. Assim, aquelas coisas que antes cultivávamos por algum tempo, aninhávamos em berço esplêndido, decifrávamos, passamos a descartar de imediato - isso porque, igualmente para os outros que nos acolheram de qualquer forma, somos a priori descartados qual produtos. Reagimos conforme "o chute na bunda" que levamos - ou seja, partimos para outra pseudo-escolha. Só que ampliando ou estendendo nosso leque de escolhas e diminuindo o tempo de consumo, além de nos tornarmos hiper-superficiais, examinando mal e porcamente o objeto de estudo, rebaixamos o nível em que se assenta o objeto - até o nível em que "qualquer coisa serve". Nesse rastro, e confirmando as proposições da Escola frankfurtiana, quanto mais escolhas temos, menos escolhas fazemos. A liberdade de escolha do mundo pós-moderno é a total falta de escolha. É catastrófico: vivendo em uma sociedade tão repleta de opções, estamos completamente sem opção.

Dafne disse:

Abre aspas -

A vida às vezes é assim: cheia de altos e baixos, mares e montanhas, valetas e picas - ops... picos???

Eis que o trumpeteiro toca.

Fecha aspas.

domingo, 18 de outubro de 2009

Quando o Tolsta veio me visitar!!! (3) e A Segunda Grande Guerra em Iasnaia Poliana

Na vida, se não for alho cru, tudo faz mal, tudo é uma merda, tudo é potencialmente fatal. É por isso que o Tolsta, cara esperto que viveu quase um século, era radical: não ouvia música. É... não lhe fazia bem aos ânimos. Tolsta, aliás, durante um bom tempo (cujo esvair-se, por sinal, é das maiores tragédias da existência) fez apologia à morte. E sem rodeios. Quem leu a “Sonata” sabe disso. Dizia que a morte seria a salvação e fim último da humanidade – simplesmente arredar o pé da vida, de preferência casto, sóbrio e em jujum. Achava bem pior, inclusive, a morte em vida do que a morte propriamente dita. E o que era a “morte em vida” para Tolsta? Basta ler qualquer livro dele para saber, já que este era, acredito, o leitmotiv de toda obra do autor. Muito vasto, né?... De qualquer forma, se é que era mesmo adepto de algo que não de si mesmo (!), Tolsta prezava a morte natural, a vida natural, o bom selvagem, a anti-carnificina, o mujique, o campo, a resistência pacífica – e não os tonéis de sangue e lágrimas que verteram por ocasião da II Guerra, sob a égide, sobretudo, de Hitler e Stalin (Putz... nem o Stalin merece um Hitler ao encalço dele, mas...). E é nesse agitado cenário, descrito por Antony Beevor no ótimo “Stalingrado – o Cerco Fatal”, presente do meu querido Ricardone, que nosso super Tolsta figura para um faniquito póstumo na presença de um bando de nazistas немецкий, aos quais, mesmo sem querer, deu guarita:

“(...) Por iniciativa própria, Guderian e Kluge começaram a retirar seus regimentos mais expostos. O primeiro tomou a decisão instalado na casa de Iasnaia Poliana, de Tolstói, com a sepultura do grande escritor no terreno defronte coberta de neve. Perguntavam-se o que ia acontecer em seguida ao longo de toda a frente central. Os profundos salientes alemães de cada lado de Moscou eram vulneráveis, mas o desespero e a escassez das tropas com que haviam estado lutando os convenceram de que também o inimigo fora arrasado e imobilizado. Jamais imaginaram que a liderança soviética estava arregimentando novos exércitos em segredo atrás de Moscou.”

Tolsta não quis comentar o intertexto. Mesmo por que, anarquista que é, não acredita na propriedade e muito menos em restos mortais. Eu, entretanto, juro ter visto ele resmungar qualquer coisa cabisbaixo (!).

Tolsta faria tudo para reviver aqueles dias plácidos em Iasnaia em que proseava com seu melhor amigo: o pangaré Kholtomer.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Dafne disse:

Abre aspas -

Gosto de oferecer tudo que amo aos meus amigos. Gosto de oferecer os homens que amo às minhas amigas. Ando apaixonada por essa coisa de estar apaixonada – o que, na verdade, dizem, não é bom. Tô nem aí – tô apaixonada e sei de cor todo caminho de ida e de volta de tanto que já me embrenhei por esse mato sem cachorro, sem ida, sem volta, sem caminho...

Fecha aspas.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Blok no Blog no Blok no Blog no Blok no Blog

(...)
O vento açoita, voraz.
O frio corta, feroz.
(...)
O vento vaga, a neve dança.
A coluna dos doze avança.
(...)
- Továrich, te entrega logo!
É inútil. Não há saída.
- Melhor ser pego com vida,
Te entrega ou eu te passo fogo!
Trac-tac-tac! - Só o eco
Responde de beco em beco.
Só o vento, com voz rouca,
Gargalha na neve louca...
Trac-tac-tac!
Trac-tac-tac...
... Eles se vão num passo onipotente...
Atrás - o cão esfomeado.
À frente - pendão sangrento,
Às avalanches insensível,
Às balas duras invisível,
Em meio às ondas furiosas
Da neve, coroado de rosa
Brancas, irrompe o imprevisto -
À frente - Jesus Cristo.
Trechos de Os Doze, poema do simbolista russo A. Blok de 1918. Tradução: Augusto de Campos

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O dia parte – e já é tarde

Era manhã. E guardava pra ti, por entre os cômodos da casa, a pedalar de saias, como quem aguarda o passo que vem na contramão, mastigando as sandálias no piso, o dia. Fantasiei-me de sonsa para ver-te, amor. Contudo, o dia parte – e o que chega já é tarde. Tu não vieste? Eis que o tempo retalha e ri, maltratando a fatia que guardei toda faceira pra ti.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Eis a gula do pecado...

Eles têm um ao outro. E um ao outro me tem – disse Lilia Brik.

Bem que te disse, de molho alfafa ainda hoje, que tentei falar com algumas pessoas, mas há tanta gente que não há, de fato, ninguém. Lembro-me que, para festa, não convidaria os perfis com foto. Preferi os avatares – sejamos tão iguais que praticamente idênticos. “Preciso embalar a toca em que me estoco para recebê-lo”. Vou presentear-te com uma lingerie importada de 1930 do Fetiche Brabo – loja da bisa em Copa. Vou servir iguarias picotadas do corpo, tipo lóbulos de orelha, estrias. Não sei lidar com nada disso: estou porca, dei para cuspir no chão e mastigar-me até os ossos fêmures. Lamber os dedos, babar muco bucetal como quem verte gordura de cabra pelas moneras. Eis a gula do pecado. Coalhada feito leite. Não me responsabilizo por patavinas e nem pelo amor que cansei de sentir cortar-me os pulsos do beiço. Afiei-me na humilhação. Empobreci-me na ofensa. Sô de sôfrega, sonada, sozinha e sonsa. Santa de hálito regional entre as cáries que prenunciavam um “T” tão delicado que desfalecia sem dizê-lo. “Culpa dela. Da Tiaaaa...”. É preciso haver culpados, senão ele se recusa a rodar o filme – o diretor: “Ação!”. Mas não há. Ação ou culpa? Já nem sei. De resto, era displicente também: reaparecia sem deixar rastros.

sábado, 3 de outubro de 2009

Quando o Tolsta veio me visitar!!! (2)

(Tolsta indo passear no Ibira pela manhã. Péla.)

Quem é o Tolsta? Gaúcho, mujique, apóstolo de cristo, retirante nordestino, anarquista, tarado, sadhu indiano, tuareg, profeta, monge ou, como todos os russos, um louco? Hmmmmm... Ah, já ia me esquecendo: escritor também é uma opção dentre tantas.

hhhh
Moramos no 12º andar, eu e Tolsta, no centro da cidade. São “Inferno de Dante” Paulo. Ele odeia pavorosamente essa turbina de concreto-vândalo que apita sem ressalvas o dia inteiro e quer ir para o campo – ou para qualquer destino feudal onde possa caminhar algumas verstas sobre um extenso e bucólico gramado. Eu, impaciente com sua lista interminável de reclamações, aconselho-o a ir dar um passeio no Ibira, na Aclimação ou no Parque Villa Lobos e não me atazanar o saco com esse papo Ctrl-C Ctrl-V de Rousseau. Poupe-me, bom selvagem.
- Second Life, Tolsta... – repreendo-o.
Mas ele ignora. Não entendeu ainda como nós, humanos do século XXI, podemos ter algo tal qual uma vida virtual.
- Não podemos, não podemos. É pura fantasia. Contextualize, poxa. É como na Bíblia. Ou você acredita em Adão e Eva?
- Niet – ele solta.
Tolstói é algo descrente. Não acredita em nada que, de relance e num vasto prado, não possa fitar, tocar, curar, abastecer com seu viço aristocrático dissimulado e bronco. De retidão apaixonada, queria ser padre, mas me pergunta, sem pestanejar, onde é o lupanar. “Não sei... mesmo” – respondo encabulada. Ele desconversa, diz que só queria saber se há algo do tipo nas redondezas e, quando eu digo que a cidade inteira é um grande bordel, um “Gogol Bordello”, um “American Bar”, que muita gente nem cobra pelo pernoite, ele murmura entredentes: “Diabólico, diabólico. Preciso andar mais por aí”. E fico matutando o que seria dele se fosse ao Love Story vestido daquele jeito e com os sobrolhos a meio. (Des)penso o impensável.
- Para que serve a razão? – ele me indaga de soslaio.

“O universo nada delicado da libido”, persuade-me Tolsta, “é bulímico e anoréxico – é um veleiro sob tormenta, é catastrófico, truculento e trágico, uma foda-relâmpago que tudo parece iluminar e subverter com seu gorjeio para, em seguida, apagar-se”.
Não refreio meu ímpeto de mulherzinha, já violentada por essa corja de canalhas, no bojo de Lilia 4-ever, no âmago de Grace, enfeixada por Suely, e metralho:
- A cabeça de baixo venceu Tolsta. Seus apelos à castidade e ao uso da razão não adiantaram muito. É sob a égide do pau, do falo, do pênis, do cacete, do alfarrábio masculino, que vivemos. E o mundo é uma rede de cabeças acéfalas interligadas de forma cruel. E, claro, um retardado querendo ejacular mais do que o outro. Poucas pessoas fogem a essa regra desumana. É tudo porra. É tudo porra...
Tolsta, entretanto, acredita que eu tenha descrito um procedimento científico e, fulo da vida, retalha:
- Oh, eu odeio médicos. Não me venha com essa conversa mole, guria.
Não entendo que tipo de parentesco o Tolsta tem com os gaúchos. Vira e meche ele solta uma bá, um guria, adora um chimarron, diz que lembra o chá feito no samovar. Enfim, isso me intriga sobremaneira.

Verbo de hoje: Arretar* (no presente do indicativo)

Eu arreto
Tu arretas
Ele/Ela arreta
Nós arretamos
Vós arretais
Eles arretam

*Provocar, atiçar, injuriar alguém. Ver "Arretado".

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Quando o Tolsta veio me visitar!!!

Tolstói é algo desagregador de células. Pergunta-me se há qualquer coisa como morte virtual, portfólio vivo na internet, cemitério online e, em seguida, descobre o céu e o inferno do ciberespaço. É chato. Usa meu banheiro para uma ducha e grita: “Tu enfiaste a escova no reto, guria? Porque se for desse jeito não a uso para limpar as costas”. Cavalo. Kholstomer. Finjo que não ouço, indagando-me se antes de chegar aqui ele pernoitou com algum gaúcho. Esses escritores do século XIX acham que, ao invés de progredir, a humanidade iniciou um longo réquiem rumo à latrina, à contraparte sanitária de tudo que seríamos se não fossemos o que acreditamos ser. Seja como for. Tanto faz. No fim das contas, estamos, sobretudo e aprazivelmente, mais translúcidos e bem comportados, sendo que palavrinhas como cú, nessa geração, são pronunciadas aos quatro ventos e guardadas a sete chaves. Ou seja: assepsia suína.
Passo ao largo de mim mesma. Sublime no parque e a pique, confundo um pássaro com uma ratazana. Sossego: a coisa voa e baila e cantarola. Lindo. O pouco que tinha nas mangas se foi: precisei gastar alguns copeques com um tênis para ele. Mas valeu à pena. Hilário. O Tolsta de all-star fica absolutamente ridículo, e, o que é mais ridículo, preciso me conter para não rir nas fuças dele – ou ele me enfia de novo na máquina do tempo que acredita existir, pois, a contragosto, já andou vendo alguns filmes norte-americanos –, sendo esta tal contenção de despesas, água e risos o que há de verdadeiramente cômico na infame história.

Eis o tênis que comprei pro Tolsta. Ele achou cool, mas se disse adepto da resistência pacífica (!). Eu não entendi.

São Paulo é um desgoverno – e isso ele sente tão logo põe os pés na rua. Quer uma bicicleta – adorou. Na Paulista, segue a via tátil, por mais que eu lhe diga que aquilo é um caminho para cegos. Quando volto, atarantada, todos os mendigos da rua estão lá em casa – para ele são mujiques, imagine – mujiques russos que, como ele mesmo acha que é, despencaram por aqui. E palestra, palestra, palestra: sem fim, endless lecture, ad infinitum. Adora falar. Vous parlez français? – ele pergunta a quase todos. Comme Il faut. Um saco o Tolstói. Mala sem alça. Saudades da Anna e de suas correspondências miúdas. Essa sim foi uma visita, eu diria, troglodita: não saíamos da caverna nem para comer e, dá-lhe Vronski , pude tocar nas feridas adquiridas por ela no embate com o vagão do trem, pobrezinha. Foi quase como tocar nas chagas de Jesus Cristo. Inoportuno era manter seu vício em morfina. Acabou na cracolândia. Desde então, não sei que raios de rumo tomou na (sobre)vida.
À noite, já deitado, Tolstoi insiste em dizer que é o Levin. “Não, de novo não!” – penso. E que o personagem era um alter-ego dele. Dãããã. Eu, claro, não acredito.
“Como assim, Tolsta? Antes ou depois de Freud? Não me engane, hein.”
“Eu não acredito em inconsciente, guria” – ele manda.
“Nem eu” – emendo.

Nisso concordamos.

Já botei a vassoura atrás da porta. Mas o Tolsta não quer ir embora e já fez amizade com os "nóia" da rua. Ele não consegue entender que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Aff!...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Carta ao ET



Querido ET,

Como vai aí arriba (ou aí abajo, dependendo do point of view)? Por aqui você já sabe, né? Tá tudo uma merda. Só o desamor constrói – montoeiras de lixo, rios de espuma branca, miséria raquítica, invisible people, cultura vagaba, cinismo sensual, e por aí vai a perder de vista ad infinitum muito além de qualquer horizonte cinzento – como a CNN intergaláctica já deve ter divulgado. No entanto, há uma série de aforismos que, pairando sobre a tigela, conformam a massa, né, fofo? Coisas do tipo “O passado será sempre melhor”, “The show must go on” ou “Deus ajuda a quem cedo madruga”. E os humilhados e ofendidos? Vixe, Nossa Senhora, estes terão o reino dos céus. Terão sim, mas, antes, acho que esse show já anda mal das pernas e precisa dar uma paradinha. E a arte? No que se transformou a auto-proclamada (por uma horda de piadistas burgueses) e divinizada arte? Bloquinhos de gelo derretendo em Paris? Ah, faça-me o favor. Intervenções cômicas ao lado do banco anti-mendigos – eu diria. Certos surtos freudianos de introspecção alienada deveriam, por ora, ser categoricamente proibidos (Ah, inconsciente tem limite!) – mas aí é fazer como fez Stalin, né, o que já provou ser ineficaz. Então não chama de arte, poxa! Aqui reclamar não é nada cool, ET. Soa ultrapassado, antiquado, retrógado. Sinto falta daquele clima vermelhão de marte. Vermelho-sangue: adoro! Os terráqueos não cultivam muito respeito pelo verde ou pelo azul, por exemplo, e não me admira que você não queira mais pisar por aqui . Sabe ET, acho que a humanidade nem vive mais um retrocesso, vive um retrocídio, movendo-se para trás sem nem dar uma olhadinha pelo espelho retrovisor. E, ao que tudo indica nesse chamado retrocídio, já estamos na Idade Média, exatamente no filme do Bergman, já que tudo no sétimo selo é, de fato, sétima arte. No mais, sinto que a essência humana, essa que nunca se soube direito o que era, mas acerca da qual, com efeito, havia indícios palpáveis, volatilizou-se de vez. De concreto, só o marketing. E a vida, veja você, reside na idéia (ou no pseudo-pilar) de que é preciso “vender-se” para ser. É vendendo, portanto, que podemos comprar. Comprar o que? Nossa liberdade... de consumo (Uebaaaaaaaaa! Adorno rules!). Só – já que, infelizmente, só essa liberdade fake nos cabe. Tenha você acumulada a fortuna que tiver, tanto mais enganado é pela roda que o escraviza. Liberdade (o que você acha, ET?), na verdade, é desvencilhar-se disso tudo (não sou nada original, Platão disse algo semelhante). Camadas de marketing puro, à exceção dos enfants, há muito, ocultam la vérité – liberté, egalité, fraternité. Ideais sobrevivem apenas como pruridos no mamiloUUUUUUU – é o que parece. Depois passa.

Vou ficando por aqui, ET. Já escrevi muita besteira. Se escrever mais a Gannibal não me deixa postar no blog dela, sabe? Vai dizer que eu ando lendo muito... Hmmmmmmmmm.

Espero que não demore uma eternidade para pintar por aqui. Estamos sentindo sua falta. Suas aparições são tão divertidas!!! Muito melhor que arte pós-moderna! Apareça, viu!

Lembranças do Planeta Terra!
Inté
@nostálgica.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Um problema da condição humana ou uma porra de um adolescente retardado de 17 anos

Não sou sexista. Longe disso. Odeio quando alguém começa a dizer: "não, por que os homens são assim e as mulheres são assado". Geralmente é furada. Mas, nos últimos tempos - e tenho relutado em escrever isso - percebi um fenômeno diante do qual não dá pra fazer vista grossa: as mulheres evoluem. Passam da infância à adolescência e, assim, à fase adulta. Sim, as mulheres (pelo menos a maioria) tornam-se adultas. Os homens, entretanto, jamais passam à fase adulta*. Seja ele quem for, tenha ele a idade que tiver, será sempre e no âmago inviolável de seu ser, mesmo que não pareça à primeira vista, mesmo que lute por causas nobres e esbanje sabedoria teórica, mesmo que se julgue muito "maduro", uma porra de um adolescente retardado de 17 anos. É incrível. Temos que lidar com esse "problema", eu diria, característico da condição humana. Eu, particularmente, não vejo saída e não estou mesmo a fim de ficar especulando as pseudo-causas da tal desordem. Não suporto Freud. Alguns problemas são mesmo insolúveis. Por que é tão difícil às pessoas aceitar o mistério? Um adolescente retardado de 17 anos sobrevive no macho e para isso, infelizmente, não há qualquer explicação e nem tampouco cura. Seria algo similar, guardadas as devidas proporções, à TPM feminina. Fiquemos assim.

Clique na imagem:

*Salvo raríssimas e peroladas exceções.

sábado, 19 de setembro de 2009