Edgar Morin
A tecnologia, essa que vos fala de inúmeras formas, é só mais um meio que algumas pessoas encontraram de “funcionar” (ou seja, exercer funções) melhor nessa sociedade de avestruzes, como elevadores ou essas coisas robóticas que simplesmente “funcionam” automatizadas, sem dar satisfação de nada a ninguém. E não são, como poderíamos pensar, operadas por seres humanos, são programadas por um bando de vigaristas, o que é muito diferente. Um relógio que é programado para tocar às seis horas da manhã, vai tocar às seis horas da manhã – e isso independe do estado como você estava quando cruzou a porta de casa às cinco. Se, por outro lado, ele é operado humanamente, você vai acordar no momento que lhe for mais conveniente. Operar sugere que haja uma mão humana toda vez que se exerce uma ação; já programar é totalmente desumano, é funcional, é potencializar a máquina. Vivemos em uma sociedade de máquinas e, de cada vez mais, pessoas programadas ( já que peças desse meio-de-produção) – e que se dane o fator humano de qualquer coisa. Adapte-se. A porta do metrô fecha em 10 segundos – e a moça que prendeu o salto no vão e vai ser levada pelo arranque do motor? Foda-se.
A sociedade industrial foi se tornando com o passar do tempo essencialmente programada, mecânica, alheia ao humano de qualquer coisa, e as pessoas, com seus brinquedinhos celulares e i-phonicos, entraram nessa onda. Por inúmeros motivos, que você não faz idéia, alguém que no tête-à-tête te trata como um anjo e com quem você jura que tem uma sintonia peculiar, programa o celular para não receber mais ligações suas – e que se foda você e os motivos do por que você está ligando para ela. Ela se programou, através da tecnologia, para não te atender, para te descartar solenemente, para esquecer que você existe, coisificando-o como uma peça que já não lhe serve – e agora, ao invés de perdemos o braço na geringonça de prensar frigideiras, perdermos parte de nossa alma em meio a essa horda de desalmados, de pessoas que temem o encontro, o humano. É paradoxal, mas a tecnologia só criou mecanismos de encontro que, em determinados contextos, só favorecem o desencontro. Contudo, esse cinismo todo nos parece muito natural, pois a timidez pequeno-burguesa a tudo redime, o comodismo de apertar um botão nos faz senhores de nosso próprio nariz ao vivenciar uma pseudo-liberdade hiper-equivocada, e perdemos, nesse rastro, a capacidade de compartilhar o que quer que seja com o próximo, de encará-lo olho no olho e sofrer as conseqüências desse ato, de dar a cara à tapa. Nos programando, nos livramos, assim, do que nos parece, pelo menos no espaço imediatista da ligeireza da máquina urbana, inútil ao caráter funcional do ser. E não somos mais, apenas funcionamos enclausurados, isolados do outro e das normalíssimas relações conturbadas e febris que com ele se trava, esquecendo que a “única” coisa que de fato existe nessa porra de mundo é isso: o outro; que a mais linda paisagem é a do rosto humano; que a arte, o trabalho, e tudo mais que fazemos, existe somente em função das pessoas – aquelas das quais fugimos propositalmente e temerosos de que percebam essa fuga ou venham nos perguntar: por quê?
Tem gente que tem medo de gente por aqui (Esse Pê) . Eu, particularmente, acho isso estranhíssimo e inusitado. Hoje muita gente não atende o celular quando vê, em função do advento da bina, que é um tal fulano que está lhe telefonando e com o qual ela não quer falar sabe-se lá porquê. Será que essa mesma pessoa expulsaria esse fulano de sua casa e bateria a porta na cara dele? Não sei. Mas bate o flip. A tecnologia transformou um bocado de pessoas (e me desculpem as que não se enquadram nessa lógica e que usam os apetrechos high tech para o bem) em hipócritas resignados. Isso me perturba bastante. Vou me mudar para Iasnaia, para uma aldeia indígena, para um lugar interiorano onde não haja bina, msn e no qual se possa confiar, verticalizar as relações. Ou ficar por aqui - ocupando e resistindo.
*Texto levemente inspirado na aula do Sérgio de Carvalho.
** Texto escrito no ápice da TPM.
Um comentário:
De repente meu mal deve ser o anonimato, o dar a cara a tapa!
Interessante um dia divulgo meu blog, né?
Às vezes é um prazer ser famoso só pra vc.
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