quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

"Never heard a man speak like this man before"
Pensava no placebo que era compelida a engolir dia após dia. Pílulas. E em como aquele day-after-day natimorto, aquele cotidiano voluptuoso, a atmosfera jazzística, punk, supernova, acetinada, o horizonte vivo em cuja haste equilibrava-se um funâmbulo, perdia, com o passar dos anos e vidas e terras percorridas à toa sob o signo do prazer, conferindo à sola do pé um tom de leite de cabra, o caráter de coisa fascinante.

Punha outra faixa para migrar sobre os volumes desiguais do vinil vitrola adentro. Neste momento, despencava ela, as faixas e as caixas de som - tudo junto à música ladeira abaixo, porque nada de material e formal poderia conter com barricadas ou noites insones o dilúvio da canção, o declive do eterno, a metáfora do sonoro, do estrondo, do silêncio ver-ti-gi-no-so. Como se estivesse em um épico brechtiano à luz da obra gogoliana, apagou: varava-lhe o tempo, o espaço, o corpo arranhado pelas agulhas afiadas, a língua emudecida pelo cerol das linhas de pipa, as moscas volantes destituídas de foco, a louça que jamais lavaria novamente. Jamais.
Abria mão de ser. Abria mão do ser. Erguia os dedos voluntariosa, suplicante, e, com toda a força que poderia suportar – já que esta, sobretudo, era dor fingida –, lançava como balas de fuzil os vinis que comprara em mil novecentos e tal, um a um, pé-ante-pé, até que, apesar do perfume cálido, deixou de os ouvir devido à falta de meios para fazê-lo. Boomerang: arrancava cabeças ocas em pleno ar. Escalpelava notas, caudas de um piano classique. De súbito, interrompera Isadora Duncan no ato de seus saltos magnânimos. Sem os ouvidos, descabelada, desgrenhada, donzela, abdicava, assim, do segundo - muito embora fundamental - sentido. Na gêneses do martírio, nem dera falta dele. Sem o blister gotejando, deixara também de fingir. Deixara, na verdade, de ser alguém que não era – e a sinfonia (belíssima!) era (esta era!), antes de qualquer coisa, sexy. Muito sexy. Entregava-se. Nua. "Never heard a man speak like this man before".

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