terça-feira, 10 de março de 2009

Sobre a paixão: um arrombo ou um arroubo!

... Ana havia se apaixonado pelo seu... psicólogo.

“Melhor contar” – pensou. “Contar???” – hesitou. “Claro!” – decidiu. Afinal de contas, de que valeria todo aquele processo terapêutico se ele não estivesse, pelo menos, baseado na mais imaculada e solene verdade? Se, por um lado, a verdade tem sua porção de desbunde kamikaze, por outro, Ana não tinha culpa se aquele sujeito encantador que antes se apresentara como “a” solução, de súbito – e à luz do inevitável químico – transformara-se no problema propriamente dito. E concluiu: “Problema dele, porra!”. Assim, ensaiando algumas manobras fajutas, soltou:

- Me apaixonei perdidamente por você, Doutor.

Big Deal! E, pela enésima vez, como fizera com todas as outras pacientes, o doc contou para ela a velha história do bombeiro...: (Zzzzzzzzzzzzz...)
- Querida, imagine que você está presa em um apartamento que está ardendo em fogo. Último andar. Restam apenas alguns segundos até que as labaredas te alcancem. De repente, quando você está sem esperanças e prestes a ser queimada viva, alguém arromba a porta, te pega pelos braços e te resgata das chamas lancinantes.
Fez uma pausa. Ana arregalou os olhos. Ele continuou:
- Ana, veja bem: eu sou a pessoa que te salvou do incêndio. A primeira pessoa que você viu logo após o pesadelo que viveu. Eu abri a porta para que você pudesse sair, para que você pudesse respirar. Só que, se pensar bem, vai reparar que não está apaixonada exatamente por mim. Você está apaixonada por alguém (seja lá quem for) que te livrou do pior. Você está apaixonada pelo bombeiro. E esse bombeiro, cuja função era te salvar, poderia ser qualquer um. Isso (quem era ele!) é o que menos importa.

E o assunto terminou por aí. Infelizmente, Ana nunca mais teve a oportunidade de dizer ao doc que, na verdade, jamais havia se apaixonado por homens que não fossem bombeiros. Bombeiros que arrombavam portas para que ela pudesse sair do cômodo em que, não por vontade própria, trancafiara-se. A paixão, assim, era esse resgate de si mesma por meio de um outro qualquer. E este "si", invariavelmente, era o constructo de alegorias internas - tumultos silentes, nada muito precioso. O homem pelo qual se apaixonara insinuava-se como uma hipótese de toque, de chave, de arrombo, de arroubo – e, no fim, não existia ninguém exceto ela mesma. A paixão sempre trazia à tona uma possibilidade de ser. Ser outra coisa no entre-lugar onde habitavam dois. Sim, ela estava de fato apaixonada por seu angelical psicólogo. E era esse toque no nervo doente, essa porta que se escancarava palpitante, convulsiva, que de fato dava contornos à febril dinâmica da paixão. "Nos apaixonamos por aquele que nos toca (nos abre) "naquele" lugar que anseia tremeluzente nada mais do que a imensidão - e nos sugere um novo mundo: admirável e irremediável" - dizia. Para Ana, portanto, o objeto da paixão era sempre (sempre!) um bombeiro. "Save me, firefighter!"

Hummm... muito hiperbólica essa imagem (!)

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