sábado, 18 de abril de 2009

(((((((A "polêmica" do Touro Catalão)))))))

"Cada um de nós é culpado perante todos, por todos e por tudo".

F. Dostoiévski

Minha relação com os animaizinhos domésticos é nula. Quando um cachorrinho de um amigo meu morre eu não sinto absolutamente nada. Ou, pensando bem, um certo alívio de não ter mais que aturar as lambidas incovenientes daquele ser quadrúpede toda vez que vou visitá-lo. Lembro-me de quando o pitbull insuportável de um ex-namorado pulou o muro de dois metros de altura da casa dele e deu linha. Ufa!... Não compartilhei da comoção do resto da família. Aquele bichinho terno, mais cedo ou mais tarde, ia acabar cravando seus dentes afiados em alguém. Dia desses, entretanto, hesitei bastante meu pé antes de esmagar uma barata das mais asquerosas. Juro que passou pela minha cabeça: "É uma vida!". O mesmo tem acontecido, invariavelmente, com as formiguinhas-operárias. Elas são uma graça. Será que estou me tornando uma jainista (!) das mais radicais?

Na verdade, se "comunicar-se" é sair de si mesmo e "entrar em comum" com o outro, partilhando o que há de semelhante, que tipo de comunicação eu posso estabelecer com um cachorrinho além do óbvio ululante de que tanto eu quanto ele estamos vivos? Bom, o fato é que essa me parece uma comunicação muito básica, demasiado sutil, quase etérea, "telepática" e, sinceramente, admiro as pessoas que amam seus bichinhos e decodificam sua linguagem. Não é à toa que a criançada se dá muito bem com eles - para elas, sem dúvida, é mais natural atingir esse estado lúdico e, a partir daí, celebrar a vida em todos os seus matizes.

O que eu não consigo comprar, contudo, é o discurso das sociedades protetoras dos animais - que, como a
WSPA, treme ao ver um touro catalão sendo dilacerado com farpas e estacas, em um espetáculo dos mais grotescos, por um toureiro sagaz. Tudo bem, é terrível. Concordo. Apesar de me sentir atraída pelo "show" em si, muito em virtude de seu caráter popular, não sei se teria estômago para tanto. E, no mais, matar um animal com requintes de crueldade para fins de mero entretenimento, além de nos remeter ao homem medieval, ao homem animalizado pela falta de escolhas, não é aceitável em qualquer hipótese.

Mas o que soa hipócrita em discursos assim é que:

1º) Mal ou bem o homem continua se digladiando e se matando na periferia do mundo por uma série de motivos os mais básicos ou os mais sórdidos - e não tratar isso como uma prioridade é tão risível quanto vencer uma maratona correndo-a de carro. Não raro, campanhas desse tipo, e especialmente às relativas ao meio-ambiente (ex: aquecimento global), parecem estar completamente desconectadas da realidade, ou não suficientemente integradas ao que é o humano por excelência, ao day-after-day suado e sacrificado do trabalhador, do pedinte, do miserável, visando tão somente desviar nossa atenção do que realmente importa no mundo e, por outro lado, redimir o pequeno-burguês de qualquer sentimento de culpa em relação a o que quer que seja. A despeito das imagens e previsões catastróficas, tratam-se, eu diria, de "amenidades". É válido dizer que quando um tsunami varreu a Ásia dia desses, ninguém parecia saber de nada.

2º) Não aceitamos que animais sejam abatidos ou torturados na arena de um "circo", mas aceitamos que eles sejam abatidos e torturados para o consumo humano. Tudo bem. Nada mais justo - afinal de contas, precisamos nos alimentar. Só que todo mundo sabe que essa matança já ultrapassou em muito a cota do mero consumo humano e atingiu, veja você, a cota de "entretenimento" dos empresários que ganham rios de dinheiro com a produção pecuária e frigorífica para, imagino, se divertir.

3º) A verdade é que ninguém sabe ao certo o que é a chamada "vida animal". As pessoas intuem. Os cristãos acreditam que os animais não tem alma - o que é um conceito dos mais profundos (vai explicar o que é alma!). A maioria das pessoas, levadas pelo senso-comum, concorda em dizer que os animais são seres irracionais, uma vez que, sendo prisioneiros do instinto, não possuem o livre-arbítrio, não sofrem do mal da indecisão, distinguindo-se claramente dos humanos. Eu, particularmente, não sei, mas algo me diz que são todos um bando de autistas. Well, o que eu sei é que ao se deparar com o sofrimento animal muitas pessoas transferem essa sensação para si mesmas. O que é perfeitamente normal. O inadmissível é que essas pessoas penem mais com a pseudo-angústia de um filhote do que com a angústia real de uma criança em cujas veias corre um sangue que poderia ser seu. Eis a grande questão "social" de nossa era: "comer ou não comer o hamburguer do Mc Donald's?" Precisamos, antes de qualquer coisa, entrar em comum com aquilo que nos é comum - o humano. Senão, não faz sentido algum proteger os pobrezinhos dos animaizinhos. Será zelando pelo homem que nos tornaremos mais humanos em relação às outras formas de vida que conosco co-existem.


Na melhor das hipóteses, fiquemos com a vingança do touro (!):

PS: É por isso que o Zavala é vegan...

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