terça-feira, 30 de junho de 2009

"Todas as minhas tatuagens são parábolas. Circunscrevo ao redor de mim um mundo, doces vitrines de meus ossos. Meu corpo quente sustém um grito, um lamento flamejante que ecoa. Uivos partem de hieróglifos feito lanças e pousam nas pétalas semelhantes a mariposas. Corro sem pressa da vida, tão solitária quanto o mês de junho. Sobre o papel em branco amadureço essa cidade, desloco as ruas, ergo linhas verticais, vomito espigas.

É você quem está aí, cidadão do meu mundo, habitante dessa cidadela, um corpo tão exuberante quanto um pênis. Um pênis como tantos outros, azulado e escorregadio - erecto.

Sobre a plataforma cavada aos pés ela se desloca, placidamente crente, à espreita da harmonia perdida. É preciso sentir as palavras, mirar as estrelas, como quem sopra velas num bolo. Enterra-se as velinhas e mastiga-se a pasta de chantilly. Ou o chocolate incandescente. Happy Birthday.

O dia é sagrado, pois há alguns milhares ou centenas deles estava nascendo. Nasci junto a ela, e com ela partilho meus destroços. Nada de irmandade, nada de familiaridade, só uma perfeita suposição de mágoa: mother. O nascimento em si é a dádiva. Hoje é o dia.

A silhueta no espelho lembra um caos esturricado, Carolina observa a pílula, mas não a toma. A pílula tem dimensões funestas que se redimensionam a cada gole. Toma-a. Engole-a. Sente-se livre, mas pouco aliviada. Trata-se de uma mulher carente que, dia desses, agradeceu a um “ele”, o menino dos olhos imensos, por ter sido tão bondoso com ela. Acariciando seus cabelos, alisando sua pele gelada, mastigando seus seios e mirando-a na cara. Depois fez menção de que diria “eu te amo” e saiu. Saiu ao léu como quem segura uma sacola no braço e veste parangolés, saiu faminto e já não mais enfeitiçado. E ela murmurou, assim mesmo para si: "Muito obrigada, muito"...

Depois conheceu um sujeito que só queria comê-la. Mas ela não quis, achou-o horrendo. Nariz pontiagudo, pernas compridas, barriga proeminente, alguns cacoetes, um filamento de cacete. Não, não estava interessada. Nem um pouco atraída. A propósito, Carolina apreciava a baleza, e o tal não se acomodava ao molde que havia estipulado. Além disso, bem mais novinho, 19 ou vinte anos. Sentiu-se um padre pedófilo, sentiu-se a própria mãe do moleque. Mas, por outro lado, queria ser chupada. O que fazer? Discou aqueles numerosinhos e esperou. Foi ele que atendeu e, feliz da vida, disse ter todo o tempo do mundo. Foram a um bar, e ela estranhou, pois o tal era muito mais feio do que supusera, era uma caricatura - possuía cicatrizes ao redor dos lábios, sorria muito pouco e andava feito mulher. “Que tal abortarmos a missão” – disse ela. “Não, não, mas por que? Você tá com algum problema?”. Não estava, e se estivesse não diria. Era babaquice mesmo, coisa de mulher-donzela à procura de um príncipe encacetado, mezzo-perfeito, rico, bonito e avassaladoramente inteligente. Sentaram-se ao redor da mesa molhadinha de chope, ela e ele, ele um tanto eufórico, excitado, ela zangadíssima e ofegante. Suspirava em canto, pensando que o tal poderia ser um outro, um qualquer, mas já que era para ser assim, bem que poderia ser um Apolo. Não, era um coitado de personalidade esquiva, e suas expectativas começaram a açular na medida em que a cerveja borbulhava. Uma hora depois já eram quase vizinhos, as cadeiras grudadas, apesar do receio de Carolina de se deitar com um pavão demasiado sem prumo. Que pavoa se entregaria a um macho sem cor, sem brilho, sem penachos de luminosidade? Nenhuma, e ela não fugiria à regra. Mas e o amor? Onde, meu Deus, onde estava o amor? Procurava o amor dentro dela, uma réstia que fosse, uma vaga intenção de sentimento, dessas que dilaceram qualquer barreira interposta, o amor, a cegueira, o êxtase estrábico da paixão. Não havia nada, vasculhara tudo e nada, só repulsa. Enquanto ele matraqueava de pileque, ela revirava a casa inteira, procurava... queria amá-lo! Porque não? Só por que parecia um ouriço? E daí? Quantos arcanjos transitaram pela sua vida sem acender uma única chama de afeto sequer, quantos brutamontes a fizeram de escrava, deflagrando um estrago sem precedentes a si, e por que aquele moço de dentes alvos e de nome simbólico não poderia ser uma escolha? Por que não. E não havendo resposta decente para pergunta, Carolina deixou o assunto de lado e se foi.

Deixou-o sem amor, enquanto voltava para casa solitária. Nua. Tirou as roupas numa rua deserta e, em plena madrugada, despontou à sala sem roupa alguma. Os trastes haviam ficado pelo caminho, e Carolina chorava pensando no verdadeiro sentido das coisas: perdera um amigo, um sujeito feinho que poderia dar alento as vespas que assassinava. Correu ao telefone. Mas, segundos depois, desistiria – não havia maneira. Era tarde. Tomou-a. Engoliu-a. Pi-lu-las.

Marcelo apareceu de novo. Era o homem do “Muito obrigada”. Encaixava-se perfeitamente a fantasia de Drácula-Frankstein que ela constituíra. Criação e sangue-suga. Um morceguinho dorminhoco, o universo de ponta-cabeça, o mundo upside down. Invencionices à parte, ele também se sentia bem a seu lado, apesar de não demonstrar que sim. Ela o amava, ela o amava! - era o homem que fumegava abaixo de suas axilas. Ele, por seu lado, era ausente, e quando aparecia, era miragem. Nem a-í."

PS: Não me lembro de ter escrito nada disso. Faz tempooooooooooo...

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