Parece coisa de nada, mas não é fácil quando a lente de contato se perde no globo ocular. A sensação é a de que os olhos, eles mesmos, fossem navegar pela superfície da córnea e ancorassem em algum universo baldio, à deriva, de onde só um cirurgião oftálmico, em uma cirurgia de alto risco, poderia extraí-los – embora não sem cegar o paciente. A paranóia é foda na primeira vez. E foi naquele momento, o do esfregão debutante, que o safado me apresentou a sua amante, a amiguinha dos dias de folga, a tal da Mirela, ou Milena, ou “devagar” em russo – a saber, Medllena –, em um dos mais caóticos e malfadados episódios da minha vida - já notadamente absurda, cabe reforçar, em razão do simples leitmotiv que a acerca: viver. O mundo ruiu. Tive vontade de parti-lo em dois, na verdade, quebrá-lo em mil, ficar com a maior metade e deixar para aquele casal de funâmbulos a parte dos líderes carniceiros, da indústria cinematográfica norte-americana, das novelas mexicanas e da música pop, infortúnios dos quais eu nem iria me lembrar. Eu ficaria com o Gaudi, claro, os escritores russos, o Che e o querido jovem frade em um mosteiro em Bordeaux estudando metafísica. De resto, ia fazer como a Andrea: passar as férias em Itacaré na Bahia. Mas não. Não. Muxoxo de “não”. Como já disse o referido jovem frade, “a realidade é o que existe”, minha cara. E, sendo “a realidade o que existe” e não o que a gente inventa para suportá-la, como mal informou o desinformado Proust em alguma das sei-lá-quantas páginas de La Recherche, na tradução do Fernando Py que é a melhor (ah... foi mal, Bandeira!...) – bom, retomando o fio e a meada, como ele bem frisou, mega inspirado que estava, naquele dia de sol a pino, a realidade é o que existe quer você queira quer você não queira ao despetalar a flor do mero acaso. E, para minha completa infelicidade, na realidade em que me enfurnei, pé no âmago da jaca, não havia cavalo ou cavaleiro nenhum para me resgatar – devorando-me, imaginava, logo em seguida, em meio ao capinzal enquanto os carrapatos me transmitiriam uma doença venérea qualquer e eu (hahaha) nem aí. Não havia nada além da cruel realidade. Foi desse modo, aliás, que descobri algo que viria a ser de suma importância (sério!) quando comecei a freqüentar um centro espírita: sim, eu não era esquizofrênica como meus irmãos. Porque se fosse, prestenção, uma paisagem um tanto mais psicobela teria se descortinado perante myself, e não aquela cena oca que, desventurada, porcamente testemunhei: a Medllena, bêbada, aos tropeços, vestindo uma calça da Gang – como diz o Ricardone -, cachorrona, silicone ao relento, e aquele homem para o qual tantos bordados e tricotados fiz, para o qual tantos varais de roupa estendi e camisas sociais alinhei a ferro, também embriagado, na cama, expulsando-me às gargalhadas da casa em que morei, sobretudo ébria, por tantos desenganos e carnavais sem conta. Bem pior e desastroso seria, com efeito, se não fosse o poder de minhas fervorosas orações - que por tantos anos copiosamente rezei sem fraquejar e saber nem para quê ou por quê. Pois foi Deus, tenho certeza, foi Deus que me privou da vista naquele instante, deslocando o par de lentes de meu par de olhos, e só fazendo que aqueles dois ciscos retornassem a seus devidos lugares quando evadi do pardieiro qual um verme. Meu coração, sem dúvida, não agüentaria tamanho desgosto e desafeto – enregelar-se-ia para todo sempre no bojo da estupefação de meu mais caro sentido: a visão. Desde então, não me apoquenta a auto-piedade, não me apunhala a tristeza ou o ciúme e, dos homens, eu só quero o amor. Sim, o amor, pois o desamor, egoísta, nada vê – ou só vê o que bem quer.
PS: Na separação de bens, deixei para ele a música pop. Fiquei com o sobrenome, claro, muito mais útil.
2 comentários:
Tudo o que queremos é só um dia feliz para poder suportar todo o resto. Tudo de bom, DRR
O que vc quis dizer com isso, Mr. Google?
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