domingo, 15 de novembro de 2009

Quando o Tolsta veio me visitar!!! (4) - O sagrado

O vento vai, vem, vai-e-vem, Nievá, perverte o ar, volteia, tartamudeia, pousa, bóra, cantarola, refaz-se uno, corre, apalpa o pomar, até pensar como um ser (não é Hermes), pois se é Deus, é (tri)vivo, é pulmonar - embriaga-se de caules, réstias de (fran)galhos, ao encalço do outono sem jamais lhe ter. Tonteia o sentido do "à", á margem, á luta, avante!, leiloa a língua benta,
ecoa
lufa,
arfa,
pulsa,
baba,
coroa,
aventa
rebenta areia fina na película cristal, mastiga, regurgita e, pontiagudo, entrelinha estupor e sal - calmo, contudo, acomoda-se à meia-luz, até que se avizinha a tarde e, afinal, na fímbria do horizonte, sangra ao pé do sol. Genuflexão: hora da missa. Santíssimo sacramento. A luz vermelha sinaliza: é Ele. Tolsta não se submete ao que não acredita, mas entra,encosta-se ao invés de se sentar, tensiona os músculos para entender, desentende, não relaxa, não se atreve, distende a razão e se perde. A enormidade da Catedral da Sé não lhe contagia os ânimos. A contigüidade do que ocorre pelo seu avesso, na praça, é que lhe espeta o cérebro. As gentes de todo o Brasil, atamancada, disputando palavreado, sentido, espaço pra dizer que está tudo de revés, que está tudo absolutamente movediço. O conde se amiúda e, pé-ante-pé, aproxima-se de um юродивый (Iorodivi), espécie que na Rússia parte em busca de Deus, só, produzindo instantâneos orais, santos, migalhas de arte, arrebanhando fiéis, parasitas, sendo, ao pé, um mendigo alienado, tonto, vidente. Aquele ali, entretanto, lhe parece falso, pois quando com ele quer dialogar, não é ouvido, a despeito de febrilmente respondido. O sujeito só tem olhos para si e sua Bíblia, a cujos significantes imputa qualquer significado, pautado em interesses que Tolsta não reconhece como os seus. O conde só vê sentido no desinteresse - e prenhe de amor.

- Precisaríamos de uma ambição embolada de ponta-cabeça – nada que nos fizesse retroceder, mas que nos obrigasse a ceder ao tédio de não querer tudo para si, em silêncio galhofeiro, mallllllllll, como quem agradece simples e naturalmente por estar vivo, por não ter caído hoje do precipício. Difícil isso. Lembro-me daquela moça que, ilhada, discutia comigo. Punha, à guisa da revista Veja, muito popular no Brasil, todos os adeptos de regimes ditos totalitários no mesmo saco (Che, Prestes, Fidel, Hitler e Stalin, tanto faz) – e depois suplicava por qualquer bem genuíno que se desdobrava no afamado "individualismo neoliberal", essa lei do pós-guerra que nos atola no supermarket punk. E - concatenei tentando seguir o raciocínio dela - o individualismo desses homens no saco, ora bolas? Por que hão de ser todos iguais? Pensar é difícil, pensar demora, pensar, não raro, é abdicar de qualquer opinião, é, no bilhar, não encaçapar nenhuma bola. É dom, é perda, é humilhação - desapego e comunhão. Dizem que a fé é dom de Deus. Dios. Dieu. God. Бог.

- A razão também – bombardeia o conde. O resto é reprodução. Arte, guria, é criação.

Lembrei de Nietzsche, que disse: “pensar é criar”. Enfim, outro péla-saco-mor pro panteão olimpiano do intelecto. Tolsta não me ouve mais. Tolsta não me ouve nunca, aliás. Conversa com Johannes, o sem-teto alemão – agora sim, um legítimo юродивый.

Encontro histórico: Os юродивый Tolsta e Johannes deixaram-se fotografar em plena Praça da Sé - marco zero de Sampa City. O calor de novembro não os impediu de vestir seus capotes, botas, bigodes e parangolés, o que corrobora minha tese de que ambos estão completamente alheios ao que se passa no mundo. Devem achar que estão na Rússia! Hahaha! Ou pior: em Iasnaia Poliana! Hahaha! Imagina!!! Loucos de pedra!... Detalhe: a foto foi envelhecida no photoshop - essa parte eu não pesquei.

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