“(...)
- Realmente – continuou Bazárov – o homem é um ser extravagante. Se a gente observar de longe a vida do campo, a dos “pais”, parece que nada pode haver de melhor. Coma, beba e saiba que o seu modo de viver é o mais regular, o mais justo e o mais racional que existe. O tédio, porém, domina a gente. Queremos ocupar-nos dos homens, ofendê-los até, mas ocuparmo-nos deles.
- Seria necessário organizar a vida de modo que cada instante tivesse uma certa significação – proferiu pensativo Arcádio.
- Concordo! O que significa alguma coisa, ainda que seja um engano, é agradável. Com o que nada significa podemos ainda concordar... O mal consiste nessas mil e uma coisas sem valor algum, indignas de qualquer atenção e incômodos...
(...)
- Onde está a verdade?
- Onde? Respondo-lhe com um eco: onde?
(...)
- Deposita muita confiança em si mesmo? Julga-se superior?
Bazárov, após um breve silêncio, respondeu:
- Quando encontrar um homem que seja igual ou superior a mim, mudarei de opinião a meu respeito. Odiar! Você, por exemplo, ao passar hoje perto da casa do nosso feitor Filipe, disse: que casinha simples, limpa e confortável. Disse mais: que a Rússia será o melhor país do mundo quando o mais pobre mujique tiver um lar como esse, e que cada um de nós deve auxiliar essa conquista... Comecei a odiar aquele mujique, Filipe ou Isidoro, para quem devo fazer o possível e que não me dirá sequer obrigado. Que necessidade tenho eu afinal do seu agradecimento? Viverá bem numa casa limpa e branca e eu andarei sujo. E depois?
- Basta, Eugênio... Ouvi-lo hoje é concordar contra a vontade com aqueles que nos acusam de falta de princípios.
- Repete as palavras do seu tio. Princípios não existem. (...) Há apenas sensações. (...). Sou, por exemplo, negativista por força da sensação. É-me agradável negar. Todo o meu eu sente o prazer de negar e basta! Por que gosto de química? Por que gosto de maças? É a sensação que isso determina. Tudo é unilateral. (...)
(...)
- Eugênio! – disse tristemente Arcádio...
- Não gostou? – interrompeu Bazárov. – (...) Entretanto, basta de filosofia. “A natureza embala-nos o sono”, disse o poeta Púchkin.
- O nosso grande poeta nunca escreveu coisa semelhante – disse Arcádio.
- Se não escreveu, você, como poeta, pode aproveitar esse tema. A propósito, Púchkin deve ter sido militar.
- Puchkin nunca foi militar!
- É impossível! Todos os seus versos começam assim: “Avante, Avante! A nossa terra clama!”
- Está inventando absurdos! É uma calúnia!
- Calúnia? Que importância! Como se a calúnia impressionasse alguém! (...)
(...)
- Veja – disse de repente Arcádio -, uma folha seca de árvore caiu sobre o solo. Seus movimentos são muito parecidos com o vôo de uma borboleta. Não acha esquisito? Um objeto morto e triste é tão parecido com um ser alegre e vivo!
- Amigo Arcádio Nicolaievitch! – Exclamou Bazárov. – Peço-lhe encarecidamente que não me diga frases bonitas.
- Falo como sei... Isto está me parecendo afinal despotismo. Pensei uma coisa e por que não hei de expressar meu pensamento?
- Muito bem. E por que não poderei expressar também o meu? Acho, por exemplo, que dizer frases e palavras bonitas é feio.
- Que é bonito? Dizer termos de calão?
- Já estou vendo que segue ou tem intenção de seguir as pegadas do titio. Aquele idiota ficaria muito satisfeito se ouvisse suas palavras!
- Como qualificou Paviel Pietrovitch?
- Chamei-lhe como merece: um idiota.
- Não posso tolerar mais – exclamou Arcádio.
- Ah, sim? É a voz do sangue... – disse calmamente Bazárov. – Já notei muitas vezes que o parentesco costuma ser inabalável nos homens. O homem é capaz de abandonar tudo, todos os preconceitos. Mas reconhecer que, por exemplo, seu irmão é um ladrão está acima de suas forças! É natural: meu irmão, meu... é possível?
(...)
- Basta, por favor, Eugênio. Acabaremos brigando.
- Arcádio, faça-me o favor: vamos brigar pelo menos uma vez na vida, brigar de verdade até a morte.
- E assim, naturalmente, acabaremos...
- Brigados para toda vida? - exclamou Bazárov. – E por que não? Aqui nesta cama feita de relva, neste lugar próprio para idílios, longe do mundo e dos olhares dos homens, uma briga faz bem. (...)”
Extraído de "Pais e Filhos" de Ivan Turgueniev.
kkk
Essa história de "rótulos" e de que Bazárov foi o primeiro niilista do mundo me soa muito sem graça, pois, formatando, reduz a força desse personagem espetacular. Ele era muito mais que isso. Era um sedutor nato, com olhos de lince, sem qualquer receio de pensar o que quer que fosse, um revolucionário - que, é claro, exibia um discurso de mesmo tom. Todos foram envolvidos pela sua lábia libertária, inusitada, alheia ao ambiente que o circundava, inclusive os leitores de Turgueniev. Ele e o Bateman têm muito em comum. Ou nada. enfim, não importa. Personagens apaixonantes em seu sarcasmo desmedido - à exceção de que o russo era uma pessoa genuinamente boa. O norte-americano eu já não sei. Talvez nem fosse uma pessoa.
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