sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Quando o Tolsta veio me visitar!!!

Tolstói é algo desagregador de células. Pergunta-me se há qualquer coisa como morte virtual, portfólio vivo na internet, cemitério online e, em seguida, descobre o céu e o inferno do ciberespaço. É chato. Usa meu banheiro para uma ducha e grita: “Tu enfiaste a escova no reto, guria? Porque se for desse jeito não a uso para limpar as costas”. Cavalo. Kholstomer. Finjo que não ouço, indagando-me se antes de chegar aqui ele pernoitou com algum gaúcho. Esses escritores do século XIX acham que, ao invés de progredir, a humanidade iniciou um longo réquiem rumo à latrina, à contraparte sanitária de tudo que seríamos se não fossemos o que acreditamos ser. Seja como for. Tanto faz. No fim das contas, estamos, sobretudo e aprazivelmente, mais translúcidos e bem comportados, sendo que palavrinhas como cú, nessa geração, são pronunciadas aos quatro ventos e guardadas a sete chaves. Ou seja: assepsia suína.
Passo ao largo de mim mesma. Sublime no parque e a pique, confundo um pássaro com uma ratazana. Sossego: a coisa voa e baila e cantarola. Lindo. O pouco que tinha nas mangas se foi: precisei gastar alguns copeques com um tênis para ele. Mas valeu à pena. Hilário. O Tolsta de all-star fica absolutamente ridículo, e, o que é mais ridículo, preciso me conter para não rir nas fuças dele – ou ele me enfia de novo na máquina do tempo que acredita existir, pois, a contragosto, já andou vendo alguns filmes norte-americanos –, sendo esta tal contenção de despesas, água e risos o que há de verdadeiramente cômico na infame história.

Eis o tênis que comprei pro Tolsta. Ele achou cool, mas se disse adepto da resistência pacífica (!). Eu não entendi.

São Paulo é um desgoverno – e isso ele sente tão logo põe os pés na rua. Quer uma bicicleta – adorou. Na Paulista, segue a via tátil, por mais que eu lhe diga que aquilo é um caminho para cegos. Quando volto, atarantada, todos os mendigos da rua estão lá em casa – para ele são mujiques, imagine – mujiques russos que, como ele mesmo acha que é, despencaram por aqui. E palestra, palestra, palestra: sem fim, endless lecture, ad infinitum. Adora falar. Vous parlez français? – ele pergunta a quase todos. Comme Il faut. Um saco o Tolstói. Mala sem alça. Saudades da Anna e de suas correspondências miúdas. Essa sim foi uma visita, eu diria, troglodita: não saíamos da caverna nem para comer e, dá-lhe Vronski , pude tocar nas feridas adquiridas por ela no embate com o vagão do trem, pobrezinha. Foi quase como tocar nas chagas de Jesus Cristo. Inoportuno era manter seu vício em morfina. Acabou na cracolândia. Desde então, não sei que raios de rumo tomou na (sobre)vida.
À noite, já deitado, Tolstoi insiste em dizer que é o Levin. “Não, de novo não!” – penso. E que o personagem era um alter-ego dele. Dãããã. Eu, claro, não acredito.
“Como assim, Tolsta? Antes ou depois de Freud? Não me engane, hein.”
“Eu não acredito em inconsciente, guria” – ele manda.
“Nem eu” – emendo.

Nisso concordamos.

Já botei a vassoura atrás da porta. Mas o Tolsta não quer ir embora e já fez amizade com os "nóia" da rua. Ele não consegue entender que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Aff!...

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